A participação indígena em Canudos
por Alex Goulart
“A história dos Estados Unidos foi escrita com as melhores ações dos brancos e com as piores dos indígenas”, Nuvem Vermelha. (Líder guerreiro dos povo Sioux)
Se prestarmos atenção, perceberemosque os povos indígenas estão presentes em quase toda história do Brasil e em muitos outros aspectos,como na genética do povo, nas expressões culturais, nos rituais, na culinária, nas festas, em nomes de ruas, praças, na língua, e em tantos e tantos outros meios. Então, fica a pergunta: se os povos indígenas, suas tradições, culturas estão presentes em tantos aspectos, por que nós, descendentes destes povos, cuja cultura está profundamente ligada à nossa, desconhecemos tanto esta história?
A história é escrita pelos vencedores!
Em todos os momentos da humanidade, os que vencem a guerra ou detêmo poder (econômico, político, cultural ou social) nos contam a história, nos mantendo na ignorância e no desconhecimento quase que total. A escravidão e a dominação não são apenas físicas, mas principalmente em nossas mentes. É dessa forma que os conquistadores mantêm em obediência e servidão os conquistados, como no nosso país, em que uma elite descendente dos colonizadores se mantém no poder através dos séculos. As correntes estão em nossas mentes e apenas a verdade nos libertará!
“Aqueles que desconhecem a história estão fadados a cometer os mesmos erros!”
O que foi Canudos?
“O sertanejo é antes de tudo um forte!” (Euclides da Cunha, em “Os Sertões”)
Canudos foi uma comunidade livre e independente, fundada por Antonio Conselheiro em 1893, na região de Belo Monte, próximo a Juazeiro, sertão da Bahia. Formada por camponeses, escravos libertos e povos indígenas.
Antonio Conselheiro (Antonio Vicente Mendes Maciel)era um homem simples, mas estudado. Um cristão independente sem vínculos com Igrejas, com o Estado e muito menos com o Coronelismo, que sonhava com uma sociedade igualitária, de pessoas livres. E isso incomodou muita gente.
O cenário que fomentou Canudos.
Era o fim da Monarquia, com a Proclamação da República e, apesar de todas as promessas, nada havia mudado para o povo sertanejo, que continuava vivendo na miséria, sob o controle e a tirania das oligarquias dos coronéis. O Coronelismo era um sistema em que o poder era designado aos senhores de terras, grandes fazendeiros, que impunham suas regras, com o aval do Estado e da Igreja, mantendo o povo em um sistema opressor de semiescravidão e na completa miséria.
Um outro ponto era o fim oficial da escravidão, que apesar da libertação dos escravos, não possibilitou nenhuma indenização a eles, que simplesmente foram jogados nas ruas, sem nenhum direito. Abandonados à própria sorte. E muitas vezes voltavam a trabalhar nos campos, em um sistema análogoà escravidão, com salários miseráveis, exaustivas horas de trabalho, em uma situação de violência e humilhação. Esses foram os dois principais cenários que inspiraram o povo a abraçar Canudos. Onde viviam de forma livre e com dignidade.
A Guerra de Canudos.
A Igreja se negava a apoiar Canudos, já que nem Antonio Conselheiro e nem a população de Canudos obedeciam suas regras, o Estado se sentia inútil e desafiado (pois Canudos se negava a pagar impostos),mas os principais incomodados eram os fazendeiros, que perdiam sua mão de obra barata , praticamente escrava. O estopim foi uma fake news (informação falsa) criada na época, justamente para gerar conflitos com Canudos, o que realmente aconteceu. O boato era que o movimento deCanudos invadiria Juazeiro para tomar materias de construção dos comerciantes locais. Os comerciantes, junto aos coronéis e o governador da Bahia, contrataram 100 jagunços para defender a cidade, mas a invasão não aconteceu. Mesmo assim, os jagunços partiram para Canudos e, no meio do caminho, foram repelidos pelos moradores, tendo uma baixa de dez homens. Lembrando que a população de Canudos não tinha armas. Essa foi a primeira tentativa de destruir Canudos, fracassada, assim como as próximas duas que viriam.A segunda, feita também pelo governador da Bahia junto aos coronéis, essa já militarizada, com mais de 500 homens do exército, liderada por um tenente. Com mais essa vitória, a população de Canudos conseguiu se armar com as armas que ficaram dos militares abatidos no conflito. A terceira invasão, já comandada pelo Coronel Moreira César, que disse a célebre frase: “Iremos almoçar em Canudos”, subestimando os combatentes conselhistas. Ele jamais voltou de lá.
A quarta e última ofensiva, feita por um general, seguindo as ordens do Presidente da República, Prudente de Morais. Foram 5 mil homens munidos de armas de grosso calibre e com canhões. Invadiram Canudos em 5 de outubro de 1887, promovendo um verdadeiro banho de sangue, resultando aproximadamente 35 mil pessoas mortas, executadas, mulheres e crianças degoladas, assim como estupros. Uma vergonha nacional que até os dias dias de hoje tentam apagar da história brasileira. Em 1960, a região de Canudos foi inundada pela represa de Belo Monte, ficando apenas um trecho, onde hoje fica o Parque Nacional de Canudos. Canudos prosperou de 1893 a 5 de outubro de 1897. A Guerra durou de 1896 a 1897.
A participação Indígena
“100 anos após a Guerra de Canudo, a participação indígena é menosprezada.”
Muitos documentos foram destruídos pelas autoridades após a queda de Canudos e muitos são os esforços para apagar Canudos da história, chegando ao ponto de a região ser inundada. Na época, muitos povos indígenas viviam em aldeamentos criados pela Igreja Católica com o intuito de catequização, esses aldeamentos duraram cerca de duzentos anos, mas no final do século 19 muitos já eram os esforços de governos e fazendeiros para por um fim nessas regiões e expulsar os indígenas. Muitas eram as invasões dos aldeamentos e a violência contra seus moradores. Portanto, muitos indígenas abandonavam os locais ou simplesmente eram expulsos, criando uma grande legião de nômades vagando pelos sertões. Nesse cenário, Canudos aparece como uma oportunidade de sobrevivência. Lá essa pessoas marginalizadas encontravam terra, direito a seus costumes e cultura, e aquilo que os povos indígenas sempre valorizavam ao extremo: a liberdade! Canudos era uma comunidade de pessoas livres e igualitárias. A solidariedade em Canudos era uma prática comum. A população de Canudos erarodeada de populações indígenas e tinha uma boa relação entre eles, os povos indígenas da região também tinham muita simpatia e apego com Antonio Conselheriro, aquem eles chamavam de “Bom Jesus”. É nesse contexto que acontece a participação indígena em Canudos, muitos foram os povos que se uniram à luta, mas os mais diretamente envolvidos foram os Kaimbé, os Kiriri, os Tuxa e os Kaaruré. E todos permanecem até hoje nessas regiões. Não se sabe ao certo quantos foram os mortos indígenas nesses conflitos, falam em milhares, registros indicam que pelo menos 500 guerreiros Kiriri tombaram nesses conflitos. Após a queda de Canudos, os povos indígenas da região sofreram ainda mais violência, perseguições e explusão de suas terras. Algo que sempre enfrentaram desde a chegada dos colonizadores até os dias de hoje.
*Alex Goulart Baseia – Estagiário da Faculdade Cruzerio do Sul. Fonte : Os Índios do Bom Jesus Coselheiro. Notas sobre história e presença indígena em Canudos. Felipe F. V. Vender.