A peleja de Dr. Jekyll negacionista contra o Caboclo asfaltante
por Dalmo Oliveira*
O eleitor e a eleitora de João Pessoa assistem uma novela da vida real que parece saída daqueles contos macabros de ficção (agora chamados de “distópicos”). De um lado, um candidato a prefeito que mais parece com a personagem do Dr. Jekyll, o médico violento e alterado, que, quando surta, se transforma num monstro sanguinário. No canto oposto do “ringue eleitoral”, o atual prefeito da cidade, que tem como carro-chefe para seus planos de gestão nos próximos quatro anos, asfaltar todas as ruas da capital paraibana, como se isso fosse sinônimo de desenvolvimento e avanço.
A exemplo do drama de fantasia da TV britânica, baseado na novela de Robert Louis Stevenson (1886), o médico-monstro candidato usa uma linguagem inapropriada para alguém que deveria estar focado em salvar vidas. No primeiro turno, Queiroga (PL) passou o tempo todo sugerindo, subliminarmente, que Ruy Carneiro (Podemos) poderia merecer a pena de morte, se continuasse a ser condenado judicialmente.
Todo mundo sabe do fascínio que o candidato-médico tem pelas ideias bolsonaristas. Ele também revelou recentemente, durante um debate na televisão, que se for prefeito deve fomentar a proliferação de escolas “civico-militares” para suplementar a rede pública municipal de ensino de João Pessoa. Mesmo tendo como vice um cara ligado à Educação (Sérgio Queiroz, do Partido Novo), o ex-ministro defende abertamente a segregação de alunos com espectro autista nas salas de aulas da rede municipal de ensino.
O destempero de Queiroga já é bastante conhecido. Em setembro de 2021 ele fez um gesto obsceno para ativistas anti-bolsonaro durante visita oficial na cidade de Nova Iorque (EUA). Naquela ocasião, Marcelo contraiu a Covid-19 e precisou ficar em quarentena, hospedado no bacanérrimo Hotel Intercontinental Barclay por 14 dias. A bagatela da despesa (apenas com hospedagem) para os cofres públicos do Brasil teria ficado em torno dos R$ 30 mil.
Vacinas e respiradores
Se Marcelo Queiroga puder repetir sua grotesca performance de ministro da Saúde, como prefeito de João Pessoa, há muito o que nos preocuparmos, afinal de contas, não é sempre que surge um ministro da Saúde negacionista, defensor de uma tal “imunidade de rebanho”. Sob a gestão dele, no auge da pandemia da Covid-19, houve atraso na compra e distribuição dos imunizantes, o que, logicamente, fez aumentar o número de vítimas fatais pela doença. Em junho de 21, o ex-ministro se viu envolvido numa denúncia de tentativa de compra de vacinas com preços acima do praticado pelo mercado à época (segundo a Imprensa, algo em torno de 1000% a mais), ao tentar adquirir 20 milhões de doses da vacina Indiana COVAXIN, produzidas pelo laboratório Bharat Biotech. As denúncias geraram a instalação da “CPI da Pandemia” no Congresso Nacional.
Como se não bastasse, Queiroga ainda recebeu a herança maldita da crise dos aparelhos respiradores em Manaus (AM). Em janeiro de 2021, a cidade enfrentou uma grave escassez de oxigênio nos hospitais, resultando em muitas mortes de pacientes que dependiam desse insumo para sobreviver.
Pedra e cimento
Cícero Lucena (Progressista) tem uma longa e diversificada trajetória política. Em 1990 ele foi eleito vice-governador da Paraíba na chapa de Ronaldo Cunha Lima. Em 1994, assumiu o cargo de governador com o afastamento de Cunha Lima. Lucena foi prefeito de João Pessoa por dois mandatos consecutivos, de 1997 a 2004. Em 2006, foi eleito senador da República, cargo que ocupou até 2014. Além disso, o “Caboclinho” atuou como Ministro da Integração Nacional durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Cícero Lucena tem uma relação antiga e significativa com o setor da Construção Civil. Antes de ingressar na política, ele foi empresário desse ramo e presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (Sinduscon-JP). Nos últimos anos, como prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena investiu fortemente em infraestrutura, destinando cerca de R$ 1 bilhão para obras de pavimentação, recuperação de equipamentos públicos e construção de novas estruturas.
Essa relação umbilical e pouco republicana com setores da Construção Civil local levou Cícero à condenação por improbidade administrativa, o que resultou na suspensão de seus direitos políticos por oito anos, depois de denúncias do Ministério Público sobre a construção de um overdrive no bairro do Cristo Redentor, que ficou popularmente conhecido como “Viaduto Sonrisal”, devido à má qualidade da obra, que apresentava problemas estruturais e parecia se dissolver como o famoso antiácido.
Nepotismo
Cícero faz política à moda antiga. Ele tem um perfil fisiologista, conservador e não se incomoda em usar de nepotismo na gestão pública. Sua esposa, Lauremília Lucena, foi a primeira mulher a ocupar o cargo de vice-governadora da Paraíba, entre 2003 e 2006, durante o governo de Cássio Cunha Lima (PSDB). Agora, ela e a filha, Maria Janine Assis de Lucena Barros, secretária-executiva de Saúde de João Pessoa, estão sob investigação, alvos das operações “Mandare” e “Território Livre”.
No próximo dia 27 a população pessoense voltará às urnas com a sensação de quem caminha entre a cruz e a espada, para decidir entre um representante do modelo político mais anacrônico ou aquele que simboliza o que os filósofos da atualidade estão chamando de “necropolítica”. As cartas foram dadas: façam suam apostas.
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* DALMO OLIVEIRA é jornalista, com mais de 30 anos de atividade. Fundador do Fórum Paraibano de Promoção da Igualdade Racial (FOPPIR).