“(…) Há quem fale que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo
Há quem fale que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor”
Gonzaguinha
José Carlos Enedino é aquele tipo de sujeito que você lastima não ter podido conhecer ele antes. Mas que quando encontra sabe que todos os momentos na sua companhia serão bons, confortáveis e prazerosos. Mesmo que, em algumas circunstâncias, ele precise dar aquela velha soneca no meio da tarde quente, depois de beber umas garrafas de cerveja.
Nos momentos mais lúcidos, Zé Carlos sempre foi um cara espirituoso, argumentativo e irrequieto. João de Deus Rafael Júnior (in memoriam) chamava nosso amigo de “pirata”, talvez alguma alusão ao famoso rum que embalava as bebedeiras nas memoráveis soirées do Geisel.
Uma vez eu comprei e trouxe uma alfaia do Recife e fizemos uma zoada lá em casa. Aí Zé Carlos veio querer saber que “bombo” era aquele. Eu expliquei que era feito de um pedaço do tronco da palmeira de macaíba, sendo o instrumento de base do maracatu pernambucano. “Ah, entendi! Quer dizer que agora o senhor é também um alfaiate dos sons?!”, tirou onda o Pirata. “Mais ou menos”, respondi caindo na risadagem.
Flamenguista empedernido, o Pirata não perdia um jogo do time da Gávea transmitido pela televisão, de preferência no Goiamum do Nininho, na Juscelino Kubitscheck. Ele teria atuado no futebol amador, em Itabaiana, nos idos da juventude, mas acabou indo trabalhar na antiga SUCAM, tendo atuado por vários anos nas equipes de combate ao inseto barbeiro e outras arboviroses, como o calazar.
Nos últimos tempos vinha sofrendo do coração e um AVC acabou tirando Zé Carlos de campo de vez. Era um cara com um entendimento vasto sobre as coisas do mundo e gostava de discutir filosofia, as teses de Nietzsche, marxismo e adorava a poesia matuta de Zé da Luz e a literatura regional nordestina. A gente ficava horas falando sobre um detalhe de Menino de Engenho ou das “viagens” de Charles Bukowski ou das letras de Alceu Valença. “Teses” das nossas cabeças que não passavam de devaneios.