CULTURAOPINIÃO

Foi um prêmio de consolação?

por DALMO OLIVEIRA

Um dos momentos emblemáticos do filme: “Nós vamos sorrir!” | Copyright Sony Pictures Releasing

Quando a onda ufanista começou a crescer dentro do Brasil que induzia o povo a acreditar que o consagrado Ainda Estou Aqui! estava com chances reais de levar as cobiçadíssimas estatuetas do Oscar Awards 2025, depois que Fernanda Torres conquistou o Golden Globe Award, em janeiro, eu comentei para um círculo pequeno de amigos: “Hollywood vai dar o Oscar de Filme Estrangeiro como prêmio de consolação aos brasileiros!”.

Alguns torceram os narizes achando que eu estava colocando gosto ruim na possibilidade de feito inédito do cinema nacional. Com a concretização da minha “profecia”, na madrugada desse último domingo, eu fiquei achando que, depois de tantos anos, não é tão complicado assim fazer uma leitura prévia do comportamento da Academia estadunidense de cinema.

Para todos os efeitos, Torres já havia sido laureada sobejamente com o troféu do Globo. Não que ela não estivesse entrado na disputa seguinte com chances reais (e boas) de ser contemplada também com a estatueta de melhor atriz no certame de Los Angeles. Fernanda tem potencial e foi, provavelmente, a que ofereceu a melhor performance aos cinéfilos. Mas isso apenas não seria motivo bastante para ela ultrapassar as concorrentes que atuaram em filmes “genuinamente” americanos.

Tem outro detalhe. Vejamos quais as companhias produtoras dos concorrentes. Anora (Produtoras: FilmNation Entertainment, Cinereach), O Brutalista (Produtoras: Brookstreet Pictures; Kaplan Morrison), Um Completo Desconhecido (Produtoras: Searchlight Pictures, Range Media Partners, The Picture Company), Conclave (Produtoras: FilmNation Entertainment; House Productions; Indian Paintbrush), Duna: Parte Dois (Legend Pictures), Emilia Pérez (Produtoras: Why Not Productions; Page 114; Pimienta Films; France 2 Cinéma; Saint Laurent Productions), Nickel Boys (Produtoras: Orion Pictures, Plan B Entertainment, Anonymous Content, Louverture Films), A Substância (Companhia produtora: Working Title Films; A Good Story), Wicked (Produtora: Marc Platt Productions).

Ainda Estou Aqui! até que fez o dever de casa, investindo em lobbies dentro do universo dos influencers hollywodianos, mas o corporativismo da indústria do Tio Sam é difícil de vencer. Para disputar um pouco mais confortavelmente, a película de Walter Sales precisaria, por exemplo, ter sido gravada com o elenco todo falando inglês. Espanhol e português são línguas secundárias nesse universo, ninguém se engane do contrário.

Então, Fernanda Torres entrou na disputa já com esse tipo de desvantagem, concorrendo com atrizes americanas como Demi Moore e Mikey Madson, a britânica Cynthia Erivo e a espanhola Karla Gascón.

Estrangeiro

A categoria “estrangeiro” me parece mais uma sinalização da indústria de entretimento estadunidense dizendo PRIMEIRO NÓS! Como na história dos imigrantes europeus que fugiram da Segunda Guerra, contada de maneira magistral (e terrível!) em O Brutalista.

Evidentemente, mesmo nessa categoria, não é fácil entrar na disputa. Mas Sales já conhecia o caminho das pedras. O filme brasileiro concorreu com o polonês “A Garota da Agulha”, o filme de animação da Letônia “Flow – À Deriva”, a produção francesa “Emilia Pérez”, e o filme produzido na Alemanha “A Semente do Fruto Sagrado”. Na prática, Ainda Estou Aqui! representou a América Latina inteira.

Foi ganhando folego e simpatia depois da consagração de Torres no Golden Globe. No Brasil, foi como se a Seleção Brasileira estivesse indo para mais uma grande final da Copa do Mundo de futebol. Depois de quatro anos de um governo de ultra-direita, a história da família Paiva, vinda de um livro escrito pelo premiadissimo Marcelo Rubens Paiva, funcionou como um grito de alívio para grande parte dos brasileiros, especialmente aqueles cujas famílias foram afetadas, direta ou indiretamente, nas duas décadas em que a Ditadura Militar desgovernou nosso país.

O filme brasileiro é também algo que retrata a desventura social que toda a América Latina viveu naquele período triste da história recente. Não é apenas “mais um filme comunista”, como alguns tentaram reduzir. Na Espanha, a Ditadura Franquista, entre 1939 e 1975, deu enredo para filmes magníficos, como “A Trincheira Infinita” (2019).

Ainda Estou Aqui! Ultrapassa rótulos fáceis como “filme político” ou “filme ideológico”. Ele é quase um documentário, um retrato duma época em que o país atravessou situações que ainda não estão totalmente esclarecidas. Mostra, entretanto, a superação coletiva a partir de um exemplo real da família do ex-deputado Rubens Paiva (PTB, 1929 – 1971).

Por fim, duas coisas me agradaram bastante no filme de Sales: a trilha sonora e a utilização de imagens feitas com cãmeras Super-8, que dão aquela sensação de metalinguagem dando suporte a uma certa exegese na narrativa filmica.

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