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por DALMO OLIVEIRA
No último dia 04 eu tive uma oportunidade ímpar em poder dialogar com alunos e professores de uma seleta turma do Curso de Medicina, na disciplina Internato 01, em Saúde Coletiva, do Departamento de Promoção da Saúde, do Centro de Ciências Médicas (CCM) da UFPB, no campus I, em João Pessoa. Fui convidado pela titular da cadeira, a professora Ângela Pereira, para falar um pouco de minha vivência no ativismo social com Saúde da População Negra.
Os alunos de Ângela atuam como uma espécie de “residentes internos” em Unidades de Saúde da Família (USF’s) nos territórios do Grotão, Cidade dos Funcionários, Geisel (Nova República), Cristo, Rangel, Colinas do Sul, Gervásio Maia e Gramame. Eles estão cursando os derradeiros períodos de Medicina. Antes que eu falasse sobre a doença falciforme e outros agravos de saúde da população negra, houve uma rodada de auto-apresentação e nesse momento os estudantes fizeram breves relatos daquilo que estavam encontrando na prática, nos citados territórios.
Mas, entre tudo que reportaram, houve um relato prevalente sobre um problema de saúde naquelas coletividades: o adoecimento mental. A maioria relatou casos frequentes de pacientes deprimidos, ansiosos e com distúrbios da saúde mental que necessitam de acompanhamento especializado.
Segundo os depoimentos, os casos foram se somando após a pandemia da Covid-19. Há um índice preocupante também de alcoolismo e abuso de drogas ilícitas. A gravidez precoce de adolescentes também aparece no relato dos futuros médicos e médicas. E tem outro agravante: muita gente ainda analfabeta ou semianalfabeta. Os alunos disseram que uma parte considerável desses usuários do SUS não consegue ler ou compreender as prescrições médicas, nem as bulas dos medicamentos e, por isso, acabam não conseguindo realizar os tratamentos como deveriam. “Eles precisam de ajuda de parentes e costumam retornar várias vezes ao PSF para tirar dúvidas sobre as posologias e outros detalhes sobre o uso da medicação receitada”, disse um dos alunos.
Outra observação surpreendente foi a de que a maioria dos usuários que recorrem às Unidades é composta de idosos.
Adélia Gomes, chefe do Núcleo de Promoção à Saúde na Atenção Básica da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba, onde coordena a Atenção a Saúde da População Negra e Povos Tradicionais e a Atenção a Saúde das Mulheres Vítimas de Violência, também participou da roda de conversa com a turma dos Internos em Saúde Coletiva do Rodízio de Medicina de Família e Comunidade do CCM. “A dor dos pacientes está naturalizada pelos profissionais da Saúde que atendem a população negra. As mulheres negras recebem menos analgésicos nos trabalhos de parto e, geralmente, tiverem menos de seis consultas de pré-natal, como preconiza o Ministério da Saúde”, afirma.
Ela lembrou aos alunos presentes que esse tipo de discriminação ocorre também no atendimento odontológico. “Há uma ideia arraigada de que as pessoas negras sentem menos dor do que as pessoas não-negras, mas isso é apenas uma das manifestações do racismo estrutural ao qual está submetida essa população aqui na Paraíba, no Nordeste e no Brasil, de um modo geral”, garante Adélia.
Gomes disse que, dos 223 municípios paraibanos, apenas 70 possuem no organograma das secretarias de Saúde áreas destinadas a cuidar da Saúde da população negra. Outra realidade que ficou evidente nessa aula é que as políticas públicas que exigem a notificação obrigatória do quesito raça-cor nos formulários de atendimentos na Rede do SUS são desconhecidas ou, simplesmente ignoradas pelos profissionais que atendem à população nos serviços de Saúde pública.
Falciforme
Eu mostrei aos acadêmicos de Medicina um pouco de como se deu o processo de colonização portuguesa no Brasil. De onde veio grande parte das mulheres e homens escravizados do continente africano durante o período escravista no Brasil, que durou aproximadamente 353 anos, começando por volta da década de 1530, com a chegada dos primeiros africanos escravizados, sendo interrompido (oficialmente) em 1888, com a assinatura da famosa Lei Áurea, para inglês ver.
Falei de como o racismo atrapalha o desempenho dos servidores do SUS. De como doenças como tuberculose, arboviroses, zoonoses, verminoses e outras tantas têm relação direta com aquilo que chamamos de “racismo ambiental”, porque a população negra é obrigada, historicamente, a habitar as piores áreas das cidades, nas periferias, em territórios com baixa cobertura de saneamento básico e com condições de segurança alimentar precárias.
A gente espera que esse tipo de discussão consiga sensibilizar os futuros médicos e médicas. A atenção à saúde começa com atenção aos seres humanos e suas definições raciais e sociais dizem muito sobre essa pessoa que está procurando tratamentos de saúde.